Assunto bastante polêmico e que ultimamente vem ganhando força nas discussões sobre whisky após a divulgação de um importante estudo.
“Terroir”, termo muito conhecido no mundo dos vinhos, surgiu do radical francês “terr”, que origina palavras como “terre” (terra/solo), ou “’terrain” (terreno). De forma ampla, demonstra a ligação da terra com as influências da natureza e do homem na produção de vinho.
A “Organização Internacional da Vinha e do Vinho” (OIV), sediada na França, definiu “terroir” há alguns anos como “o conceito que remete a um espaço no qual está se desenvolvendo um conhecimento coletivo das interações entre o ambiente físico e biológico e as práticas enológicas aplicadas, proporcionando características distintas aos produtos originários deste espaço”.
Falar de terroir é falar de um conjunto de fatores como:
- Topografia (ciência que estuda as características naturais ou artificiais de um terreno);
- Geologia (estudo das matérias que formam a crosta terrestre – composição, estrutura e evolução – É mais amplo que a Pedologia);
- Pedologia (ciência que estuda o solo);
- Drenagem;
- Clima e microclima;
- Castas (tipos de uva);
- Intervenção humana;
- Cultura, história e tradição.
Resumindo em uma frase: “Terroir” é a soma de fatores que tornam aquele lugar único.
Pois bem, e se retirarmos o termo “vinho” e acrescentarmos “Whisky”; e da mesma forma, trocarmos “castas”, por “cevada”, por que não poderíamos falar em “terroir” para os whiskies single malts?!?
Ok. Mas críticos poderiam dizer que o whisky é uma bebida destilada e o vinho uma bebida fermentada. E que a destilação remove todas as características do “terroir” ou que o amadurecimento em barril mascara qualquer influência do “terroir” e blá blá blá…
Será?
Pois bem, esse ano foi divulgado um estudo realizado pela destilaria Waterford, da Irlanda, escrito em parceria com algumas empresas, Universidades e o Departamento de Agricultura Irlandês.
O artigo, publicado na tradicional revista “Foods”, possui o título: “O impacto do terroir no sabor do whisky single malt e no new make spirit”.
Capitaneando esse estudo temos Mark Reynier, fundador da Waterford, mas já bastante conhecido na indústria do whisky devido a sua passagem pela destilaria escocesa Bruichladdich, onde permaneceu por 11 anos e lá já desenvolvia estudos sobre terroir com foco em diferentes tipos de cevada.
Para essa empreitada, ele contratou o Dr. Dustin Herb, um cientista de cevada da “Oregon State University” (EUA), que apresentou um artigo de pesquisa inovador sobre o sabor da cevada no World Brewing Congress em Denver em 2016, que inspirou Reynier.
Dr. Herb explica: “Pudemos investigar os mecanismos genéticos que controlam as contribuições da cevada para o sabor do uísque, determinar os principais atributos ambientais do terroir do whisky, identificar as fontes de variabilidade do sabor na produção e no processamento da cevada, desenvolver uma biblioteca de compostos de aroma do whisky e rastrear as influências do terroir através da maturação.”
O artigo é o resultado de um estudo que explora as diferenças encontradas em destilados feitos de duas variedades de cevada (Olympus e Laureate), cultivadas em duas fazendas em ambientes diferentes em 2017 e 2018.
As cevadas foram cultivadas em Athy, no condado de Kildare; e em Bunclody, condado de Wexford e resultaram em 32 amostras diferentes de micro-new make. Essas amostras de destilado de whisky “foram então analisadas usando os métodos analíticos mais recentes de Espectrometria de massa e Olfatometria por cromatografia gasosa, (GC / MS-O), bem como especialistas sensoriais altamente treinados (dois homens e quatro mulheres).” De acordo com Reynier.
O resultado, 42 compostos diferentes entre as amostras (!!!). Metade dos quais os pesquisadores disseram ser diretamente influenciados pelo terroir da cevada.
Segundo o estudo, a cevada produzida em Athy, local de temperatura mais alta e pouca chuva, tinha níveis pH mais altos e níveis superiores de cálcio, magnésio e molibdênio em seu solo à base de calcário. O destilado produzido com cevada cultivada em Athy teve sabores de amêndoa torrada, com final maltado, biscoito e mais oleoso.
A cevada de Bunclody, que foi cultivada em solo à base de xisto com maiores quantidades de ferro, cobre e manganês, produziu um destilado mais leve e floral com sabores de frutas frescas e gramíneas. O local ficava mais perto da costa e apresentava condições climáticas mais instáveis.
Mark Reynier, da Waterford, conclui: “A cevada é o que torna o whisky de single malte a bebida espirituosa mais saborosa do mundo. Este estudo prova que os sabores da cevada são influenciados por onde ela é cultivada, o que significa que o sabor do whisky é baseado no terroir. Os críticos afirmaram que qualquer efeito do terroir seria destruído pelo processo de fabricação do whisky, dizendo que não há evidências científicas para provar que o terroir existe. Bem, agora existe!!!”
É possível vislumbrar que num futuro próximo, exista a possibilidade de se produzir whiskies regionais específicos, na mesma linha que os vinhos e as suas (DOCs), “Denominação de origem controlada”.
O estudo demonstrado é importantíssimo! Mas é uma parte do todo. Mesmo sem haver esse estudo, nossa opinião já era no sentido de acatar o termo “terroir” para whiskies de malte. Em contraposição ao Blended Whisky, por obviamente ser uma mistura de whiskies, misturando todo e qualquer “terroir” em sua fórmula.
Concluímos que se você tomar o termo “terroir”, como identidade única que cada single malt possui, que cada destilaria possui; esse conceito pode ser usado no mundo do whisky.
Cada destilaria é única!
Assunto interessante também a levantar é a impossibilidade de uma destilaria fazer um whisky totalmente igual ao de outra destilaria.
Historicamente isso foi até tentado!
Malt Mill!!!
Uma destilaria criada pela Lagavulin, com o objetivo de “clonar” a gigante Laphroaig à sua total imagem e semelhança e que, bem, nunca conseguiu ser Laphroaig!!!
A destilaria “Malt Mill”, surgiu de um desentendimento entre os proprietários das destilarias Lagavulin e Laphroaig.
No início do século 20, o proprietário da Lagavulin, Peter Mackie, também era gerente da destilaria vizinha Laphroaig, por meio de sua empresa, Mackie & Co.
Ele garantiu, por décadas, fornecimento de whisky de malte da Laphroaig para seus blendeds de sucesso: White Horse e Mackie’s Ancient Scotch, entre outros de menor importância.
Ocorre que com a morte do proprietário da Laphroaig, Alex Johnston, em 1907, seu sobrinho, Ian Hunter viajou até Islay, tomou posse da Laphroaig e retirou a influência de Peter Mackie sobre a Laphroaig!!! Por meio de uma Ação Judicial.
Peter Mackie, cheio de ódio, tentou cortar o abastecimento de água da Laphroaig, sem sucesso!!! Perdeu outra Ação Judicial.
Não contente, Peter Mackie construiu uma destilaria no pátio da Lagavulin, aproveitando as instalações de outra antiga e silenciada destilaria: Ardmore (1817 – 1835)!!
Não confundir com a “Ardmore” que está em funcionamento nas Highlands escocesas.
A Ardmore de Islay foi absorvida pela Lagavulin (Assim como também foi absorvida a antiga destilaria Kildalton 1817 – 1837).
Surgia aí a mais famosa das destilarias silenciadas de Islay, a lendária: “Malt Mill” (1908 – 1962)!!!
Construída para fazer malte “como se fosse Laphroaig”, falhou miseravelmente. Mesmo construindo destiladores “Pot Still”, com o mesmo formato e capacidade; além de “roubar” o “Stillman”, aquela pessoa responsável pela destilação, da Laphroaig.
Destilaria Lagavulin hoje e numa foto antiga, com duas chaminés. Uma era da Malt Mill. Abaixo, close nas chaminés e trabalhadores içando barris da Malt Mill.
Entenda, tentaram produzir Laphroaig imitando o máximo da linha de produção e matéria prima e mesmo assim não conseguiram. O resultado: o “spirit”, não era Laproaig. Nem Lagavulin.
Não é possível “clonar” uma destilaria. Fato.
O whisky é a bebida mais complexa no aspecto produção e cada detalhe faz toda a diferença.
A partir do momento em que uma destilaria se encontra estabilizada, dominando a maioria das etapas de produção do Whisky, ali está formado seu DNA, consequentemente, formado está seu “terroir”.
Cada single malt é único! E cada vez mais as destilarias estão vinculando seu “DNA” ao produto final.
Se você conseguir sentir a destilaria no seu copo, o conceito de terroir foi definitivamente definido por você.
Saúde!!!
6 comentários
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Excelente matéria!!!
Autor
Estamos juntos, amigo!!!
Nos vemos na Lamas dia 04 de dezembro/21.
Quanto ignorante deve ter até dado risada ao ouvir falar desses termos. Agora tá comprovado por especialistas!
Autor
Pois é, Junior. Mas acredite, ainda tá longe de acabar com essa polêmica.
Parabéns pela matéria, muito didática e esclarecedora. Temos terroir no single malt! Fato!
Autor
Sim! Temos sim.
Obrigado.
Saúde, amigo!