– Caledonia “Templo do whisky!” – Entrevista com Mauricio Porto. Sócio fundador do Caledonia e co-autor do Blog: “O Cão Engarrafado”!!!

Inaugurado em Janeiro de 2020, na cosmopolita capital paulista, Caledônia é um espaço conceito em homenagem a melhor bebida do mundo:  Whisky!!!

Temos a honra de entrevistar hoje, nosso amigo, Maurício Porto, sócio proprietário do Caledonia e co-autor do Blog “O cão engarrafado”, referência para qualquer entusiasta que queira aprender ou para qualquer blogueiro sério que se dedique a falar ou escrever sobre essa bebida secular!  Blog este que não tentamos copiar, mas nos serve como referência de qualidade de texto.

Porto, é um prazer tê-lo aqui.

1- Sobre o Maurício:  Há quanto tempo se dedica como poucos aqui no Brasil à cultura do whisky?

Eu comecei a gostar de whisky há uns doze anos. Foi um pouco antes de casar – ganhei um Glenfiddich 18 de um amigo, e descobri como aquela bebida podia ser boa. Aí, depois, em uma viagem, tomei um Lagavulin 16. Foi aí que eu decidi que queria aprender mais sobre aquela bebida e provar mais rótulos. Viajei pra Escócia, fiz cursos, tentei ler o máximo que podia sobre whisky. Enfim, nada de original, o caminho de todo mundo que realmente descobre que se interessa por alguma coisa.

O Cão surgiu há 7 anos mais ou menos. Minha esposa na época deu um empurrãozinho, daquele tipo “poxa, você sabe pra caramba sobre a bebida, e tem tão pouco material em português, é um nicho bacana. É muito difícil encontrar um nicho”. E acho que, pensando em “retrospecto”, ela deve se arrepender. Não sabia o monstro que estava criando. O Guilherme, meu amigo, atualmente meu sócio no Caledonia e padrinho da minha filha, gostou da ideia, e disse que participaria.

Aí criamos o Cão. Eu escrevia, fazia umas fotos. Ele outras fotos e cuidava da curadoria do site. A gente não tinha muitas pretensões, mas, ao mesmo tempo, pensamos “olha, se a gente vai escrever um blog sobre qualquer coisa, vamos fazer direito, ou o melhor que pudermos, porque mais um blog pra só nós dois lermos não vai rolar”. E o blog começou a andar bem. Em boa parte, graças ao crescente interesse dos brasileiros por whisky. E quando a coisa anda, aí a gente fica mais estimulado ainda, fiz mais cursos, viajei mais umas vezes, e fiz contato com pessoas incríveis da indústria do whisky, que jamais imaginei que teria a oportunidade de conversar ou sequer ver ao vivo, como o Colin Scott, Sandy Hyslop, Dave Broom, Jeff Arnett etc.

2- O nome Caledônia foi inspirado no antigo nome da Escócia?

Sim, sim. Caledonia foi uma escolha fácil pra te falar a verdade. A gente queria um nome que soasse bem independentemente de saber o significado ou não. Uma palavra com sonoridade bacana. Mas, claro, que tivesse alguma ligação com o tema. E Caledonia é o nome que os romanos davam para o território que ficava ao norte da Muralha de Adriano. E que mais tarde se tornou a Escócia. É um nome meio comum pra te falar a verdade, não sei se isso me incomoda ou não…. rs.

3. Como me referir ao Caledonia? Bar de whisky? Restaurante?

A gente diz que ele é um espaço dedicado ao whisky. São três pilares (oi Macallan!), ou melhor, três espaços – entenda-os como físicos e virtuais – que sustentam o Caledonia. O salão do bar, a loja de garrafas e o espaço de degustação. Na verdade, a gente tem esses três espaços por uma história curiosa, que tem a ver com o Cão.

Lá por 2017 – 2018, a gente era chamado para guiar degustações de whisky em vários espaços. Fizemos no Admiral’s Place e Cateto, que eram incríveis, no Dinho’s, no Axado. Fizemos um curso na Casa do Porto, dentre muitos outros. Mas a gente sentia que às vezes adaptar uma infraestrutura pra um evento assim era difícil. Tínhamos que alugar copos, comprar garrafas – que invariavelmente sobravam ou faltavam nos eventos. Uma vez tive que levar uma televisão de cinquenta polegadas pra poder passar um vídeo de cinco minutos. Aí não tinha onde apoiar a TV, então eu fiquei segurando ela enquanto o filme passava…

Então, pensamos “vamos fazer um espaço nosso pra isso”. E a ideia desceu daí “já que a gente tem um espaço de degustação, vamos fazer um bar também, pra aproveitar a infraestrutura. Ah, e já que teremos uma infinidade de garrafas, vamos fazer uma loja, aí o cliente pode beber algo lá e levar pra casa o que ele gostou”. E formamos o plano do Caledonia assim. Que, por conta da pandemia, depois anexou algumas outras coisas, como a loja virtual e a possibilidade de enviar doses engarrafadas por delivery.

4. E onde está localizado o Caledonia?

Rua Vupabussu, 309, pinheiros, São Paulo. É do ladinho do Empório Alto dos Pinheiros. Colado, muro com muro. O EAP era o bar que a gente mais ia – e ainda é, pensando bem – antes de ter o Caledonia. É um espaço que tem mais de setecentas cervejas diferentes, de todos os preços e estilos. O Paulo e a Roberta, que são sócios de lá, são bons amigos, e foram eles que cantaram a bola sobre o lugar “olha, acho que tem sinergia um bar de whisky do nosso lado”.

5- Quais as atividades? Venda, degustações guiadas, cursos?

Tudo isso. A pandemia prejudicou um pouco essa parte das degustações. Mas a ideia é termos degustações guiadas de todos os temas. Não apenas comigo, mas às vezes com convidados, especialmente de marcas. Embaixadores, especialistas, brand managers e por ai vai – trazer esse insight da indústria pro entusiasta. É pra ser um espaço ecumênico do whisky, voltado ao conhecimento.

Venda de garrafas, também. Pouca gente sabe, mas se você toma uma dose de um certo whisky no caledonia, tem um descontinho – que varia de 3 % a 5% pra levar a garrafa daquele whisky especifico pra casa. É um troquinho, mas é nossa forma de estimular a pessoa a comprar algo de caso pensado. Provou, gostou, comprou. Não precisa comprar às cegas. Uma garrafa de whisky às vezes é um “investimento” alto. Tem que acertar. E por lá temos aproximadamente 150 rotulos de whisky na loja, além de algumas bebidas que se relacionam a whisky. Como o Botanist, que é o gim produzido pela Bruichladdich, ou a vodka Haku, que é produzida pela Suntory – a mesma do Yamazaki e Hibiki.

E o bar, por fim, serve bem mais do que doses de whisky. Temos uma culinária voltada para a harmonização da bebida e dos coquetéis – o que não é exatamente uma tarefa fácil. E temos coquetéis, claro. A maioria deles produzido com whisky. Mas não só – a gente se preocupa com o maluco que não gosta de whisky também. Então, temos opções para todos.

Temos uma carta autoral, que muda de tempos em tempos, mas que atualmente conta a história do whisky em sete drinks. Essa carta – e toda curadoria dos coquetéis do Caledonia – foi feita pelo Rodolfo Bob, consultor e amigo nosso, vencedor do Patrón Perfeccionists , e super experiente. O Bob é meio louco como a gente e gostou do projeto e topou participar como consultor.

6- Quando e como surgiu? Há outros sócios? Eles também se dedicam ao whisky ou só a negócios?

Sim, o Guilherme. Guilherme é meu amigo de infância, que foi também fundador do Cão. Ele tem outra empresa, uma que faz ERP (“Enterprise Resource Planning – ou – Sistema de Gestão Integrado), para indústrias, consultórios e bares – chama-se Valle Sistemas. Nosso sistema de ERP é dele, aliás. Mas ele se dedica mais de 50% do tempo ao Caledonia. É um ramo que dá bastante trabalho, porque as coisas são muito dinâmicas. Mesmo que o atendimento corra super bem – nossa equipe é ótima – tem sempre muita coisa a fazer. Organizar preços, compras, rever ações, controlar o fluxo de caixa, posicionar a marca direito, revisar e estabelecer os procedimentos. E não é um trabalho pra one-man-army. Tem que ter duas pessoas.

Guilherme Valle. Sócio proprietário do Caledonia e co-autor do Blog: “O Cão Engarrafado”.

O lance das compras é importantíssimo, e leva um tempão. O público às vezes acha que as lojas ganham uma margem enorme sobre as garrafas. Mas não é bem assim. Algumas garrafas têm uma margem líquida inferior a 10%. Pra piorar, por sermos um negócio “híbrido”, com bar e loja, compramos como “on-trade” ou seja, como um bar. E há tabelas diferentes. Então, há um trabalho constante de entender até onde podemos pagar para que nosso preço fique, ao menos, na média de mercado. Se determinado rótulo nos é oferecido por um valor que inviabiliza determinada margem mínima, preferimos não comprar. Ou negociar até chegar a um valor que podemos pagar, o que leva bastante tempo e nem sempre dá certo. Algumas marcas são super parceiras nossas nisso e entendem. Outras são, diremos assim, mais inflexíveis.

O Guilherme também gosta muito de whisky e entende bastante. Ele é mais um entusiasta dos bourbons, na verdade. As notas de prova que acompanham os whiskies no site foram feitas por ele e por mim. Dividimos, alguns já estavam no Cão – que também fizemos em conjunto.

Rodolfo Bob (consultor em destilados e mixologia); e os sócios Guilherme e Mauricio.

7- Caledonia hoje também dá nome à whisky nacional!  Como surgiu a ideia da parceria com a Destilaria Lamas?

Eu conheci a turma da Lamas no Bar Convent Brasil, uma feira bem importante de bebidas voltada para o on-trade. Lá conversei com o Marcio e o Marcos, provei os rótulos que eles tinham na época. E criamos um canal de comunicação. O Caledonia estava em reforma – uma reforma que levou quase 1 ano – e o Marcio me propôs fazermos um whisky em parceria. Eu achei a ideia incrível, fiquei muito contente. Sonho de qualquer entusiasta de whisky, ter um rótulo próprio.

O desenvolvimento do Caledonia teve alguns estágios. Pensar onde queria chegar foi o mais fácil. “qual o meu estilo de whisky preferido? – ah, vínicos e defumados – então vamos lá”. A parte que demandou mais tempo e atenção foi equilibrar a receita e conceber como faríamos. Na época a Lamas tinha o Nimbus, defumado, e o Verus, finalizado em barris de vinho licoroso. Eu propus que o Nimbus fosse colocado em barris novos de Vinho para ver o que acontecia.

E o Marcio ia me mandando a cada mês amostras, com diferentes graduações alcoólicas, e fazendo observações. Por enquanto, era só nimbus em barril de vinho. Aí, teve um ponto que ele me disse “olha, acho que tá bom”, e eu “deixa mais um tiquinho”. Deixamos mais dois meses pro LC1. Quando provei, amei, mas achei que a fumaça estava subindo em cima do licoroso – o que era um negócio difícil de contornar, porque, se deixássemos ainda mais no barril, ele ia ganhar mais dulçor ainda ou apimentado.

Então, aí, veio a segunda parte do drama. Pensamos em proporções diferentes de blending de Nimbus ex-vínico (a base do Caledonia) e um verus mais maturado que estava lá. Por fim, decidimos por uma proporção. E o terceiro e último passo foi o ABV – que na real foi fácil. 50%, porque queríamos que a pessoa pudesse beber puro ou diluir. Por ser uma edição especial limitada, acho que fazia sentido ter um ABV mais alto, é para ser um whisky de entusiastas.

8- O Lamas Caledônia 2 é a evolução do primeiro Lamas Caledonia?   Mesmo whisky?  Só que mais maturado?

Mesmo whisky, só que mais maturado. O que é muito louco. Porque o LC1 tem uma nota salina, meio iodada, que eu sei lá de onde veio. E que eu gosto, porque dá personalidade a ele, mas foi algo imprevisível. E o LC2 não. A maturação a mais suavizou essa nota, e trouxe no lugar um floral super aberto, que eu gosto mais ainda. É curioso, porque a maturação não é um negócio linear – tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, e os Lamas Caledonia são uma prova disso.

9- Qual o whisky da Lamas foi usado como base e como se deu a finalização?

Verus e Nimbus. 25% Verus e 75% Nimbus. A finalização foi feita com a parcela do Nimbus, por aproximadamente 9 meses no Caledonia I, e 14 meses no Caledonia II. Depois, um Verus com idade semelhante foi adicionado para compor na proporção 25-75. Preferimos fazer depois porque assim poderíamos entender como cada elemento se comportaria sozinho e testar proporções diferentes até chegar na mais agradável.

10- Falam sobre barris que antes contiveram “vinho licoroso”, é possível saber de onde e que vinho temperou o barril?

O vinho é porto, porto mesmo. Porque os barris vieram com um pouquinho de vinho dentro ainda. Mas não sabemos exatamente qual vinho do porto é. A Lamas comprou as barricas de uma tanoaria que importa barris para o Brasil. E, por receio de que a Lamas entrasse em contato com a vinícola diretamente e negociasse mais barris, a tanoaria não disse qual era, especificamente – só disse que era vinho do porto. O que na verdade é um medo curioso, porque importar barris para o Brasil é super difícil. Não somos rota de barris, e há enormes dificuldades em relação ao MAPA e ANVISA sobre conteúdo prévio de barricas usadas.

Mas, enfim, para jogar seguro, decidimos comunicar como se fosse vinho licoroso tipo porto.

11-Você se considera uma pessoa realizada profissionalmente e entusiasticamente, sobre a temática whisky?

Olha, isso é relativo. Rsrs.  Reconheço que é um enorme privilégio poder trabalhar com algo que amo.  Não me arrependo nunca de ter migrado do direito para o ramo de bares e restaurantes.  Adoro o “Cão” (que começou como um passatempo e às vezes é uma válvula de escape, porque amo escrever), e o Caledonia.

Mas existe um “trade-off” (termo usado na Economia, para significar a escolha de uma coisa em detrimento de outra), especialmente em relação ao Caledonia, que é a responsabilidade –  quando “dá no saco”, não dá pra fechar o computador e ir lá ver um filme com uma dose de whisky do lado!

E tudo bem.  Isso é natural de todos os trabalhos.  Mas fica meio esquisito quando era uma coisa e depois, virou outra pra você.  Antes não tinha muito esforço, mas agora tem que ter.  Mas sim, adoro o que faço!  E torço pra dar certo.

Junto com a responsabilidade, a sensatez!   Com toda certeza está dando certo, Cão.

Eis aí um dos maiores ícones da cultura do whisky no Brasil, referência nacional e também internacional, o gentleman, Mauricio Porto!

Obrigado, amigo!  Nos vemos qualquer dia desses no Caledonia.

Saúde!

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